Viralizou no dia de hoje uma foto que apresenta uma família branca formada por pai, mãe, dois filhos e um cachorrinho - seguida pela babá negra. A família veste roupa verde e amarela em protesto contra o governo do país e a babá usa o seu uniforme de trabalho. A família fotografada é do diretor financeiro do Clube Flamengo, Claudio Pracownik, e a mulher que trabalha no domingo ainda não foi identificada. O homem se ressentiu muito com a exposição de sua família e desabafou usando as redes sociais. Ele diz em seu desabafo que a mulher trabalha apenas nos finais de semana e é uma pessoa que eles gostam muito, embora não a considerem da família. Ele ainda frisa que tem um número grande de funcionários em sua empresa (segundo O globo ele é sócio e Diretor Executivo do Brasil Plural Banco Múltiplo S.A) e mais 04 funcionários em sua casa. Assim, a foto seria uma afronta ao direito de privacidade da família dele.
Claramente estamos diante da exposição de uma família
branca e da elite, caso contrário, não estariam ocupando espaço em um dos
maiores jornais do país. Além disso, a foto mexe numa ferida que teima em não
cicatrizar no Brasil: os resquícios da escravidão negra. Muitas pessoas estão
argumentando que a profissão de babá é regulamentada e que a mulher está apenas
trabalhando como os jornalistas que cobriam a manifestação. Outros dizem que é
uma mulher guerreira que não aceita Bolsa Família. Há ainda quem diga que se a
família não a empregasse por ser negra seria racismo, daí que não faz sentido a
acusação de racismos como o fato de a terem
empregado.
O que as pessoas não conseguem entender é que a foto não
é de um passeio qualquer, embora pareça que a família Pracownik não considere
isto, pois leva até o cachorrinho para protestar. A foto representa um momento
de ação política e a mulher que acompanha a família branca tinha apenas duas
opções neste dia: acompanhar a família ou deixar o emprego – fato comprovado na
fala do patrão que diz que se ela não estiver satisfeita que abandone o
emprego. Isto evidencia que as mulheres negras continuam sendo tratadas como
sujeitos de segunda classe. A babá não pode escolher se queria protestar ou não
contra Dilma. Se ela é favorável ao atual governo, o seu direito foi ferido,
pois foi obrigada a participar e ser colocada nas estatísticas de participantes
de um ato que não concorda (preto para fazer número sempre serve). Se for
contrária ao governo, ela teve o seu direito de manifestar-se através de suas
roupas roubado por um uniforme que a coloca na posição subalterna e marca o seu
lugar social de serviçal da família branca caracterizada para o protesto.
Até hoje conheci apenas uma pessoa que me disse que
queria ser empregada doméstica: uma mulher branca muito curiosa. Ela me contou
rindo que este desejo era porque ela queria saber o que tinha na casa das
pessoas e as empregadas poderiam ver isto. Lógico que quando ela cresceu isto
não se tornou realidade e hoje ela é uma mulher que trabalha em outra área. No
entanto, nunca vi uma mulher negra desejar ser empregada doméstica, de forma
que esta cena apresentada na semana que defenderei minha tese de doutorado me
faz lembrar da minha mãe dizendo que eu devia estudar “para não ter que limpar
chão de branco”, ou seja, ser empregada doméstica como a maior parte das
mulheres de minha família. As mulheres negras não escolhem a profissão de
empregada doméstica, elas assumem esta função porque precisam sobreviver
dignamente. Muitos dirão que nos dias de hoje muitas babás possuem curso
superior, pois são enfermeiras, pedagogas e etc. Nenhuma jovem negra faz curso
de pedagogia ou enfermagem para se submeter à função de cuidadora de criança.
Novamente estamos diante de uma função que precisa ser assumida para se viver
com dignidade, pois muitas vezes estas mulheres são rechaçadas do mercado de
trabalho pela cor de sua pele.
Por fim, a fala do próprio Claudio Pracownik expõe o
resquício de escravidão quando se fala
de serviço doméstico: “emprego centenas de pessoas no meu trabalho e na minha
casa mais 04 funcionários. Todos recebem em dia. Todos têm carteira assinada e
para todos eu pago seus direitos sociais. Não faço mais do que a minha
obrigação! Se todos fizessem o mesmo, nosso país poderia estar em uma situação
diferente”. Ele se orgulha de ter empregados, centenas em sua empresa e mais 04
em casa – o mesmo orgulho que os senhores de escravo sentiam ao contar suas “peças”
que contribuíam para a economia do café, do açúcar, enfim para o crescimento do
Brasil.
A manifestação de hoje comprova que a Casa Grande não se
conforma com os direitos adquiridos pelas minorias, principalmente pelas
mulheres negras que hoje já podem vislumbrar outras oportunidades de vida além
de serem empregadas domésticas. Apesar de não protestarem contra os avanços
legais que temos em nosso regime trabalhista, ao demonstrar orgulho por pagar
em dia os salários e direitos sociais, a fala do diretor financeiro do
Flamengo, comprova que a Casa Grande não
se conforma com os avanços do Brasil dos últimos anos. O inconformismo é porque
é muita ousadia alguém questionar o fato da empregada negra carregar os filhos
do branco em um domingo de sol numa manifestação política. Também é muita
ousadia negras estarem nas universidades como estudantes e não como serviçais.
Mais ousadia ainda é pobre ter o que comer e até acesso a internet, que
permitirá aos negros e às negras pensarem e refletirem sobre a situação
vivenciada por esta mulher negra que foi exposta pela manutenção do pensamento
escravagista na sociedade brasileira.