Dia
maravilhoso este 21 de Março marcado por momentos de emoção, de alegria e de
recordação. Passei boa parte de meu dia em uma festividade de comemoração dos
10 anos da SEPPIR, depois estava envolvida no planejamento da comemoração dos
10 anos da Lei 10.639/03 e isso mexeu com meus sentimentos e memória de uma
forma singular. Hoje, eu lembrei muito do ano de 1988, quando eu estava na
terceira série primária e se comemorava os 100 anos da abolição. Naquela época,
eu pensava que no universo éramos poucos negros, pois a negritude para mim se
resumia a minha família, alguns vizinhos e poucos membros de nossa igreja. Na
escola, eu era a única menina negra de minha turma.
No
dia 13 de maio daquele ano, a professora passou um texto no quadro em que a
ação da Princesa Isabel era exaltada, não se mencionava a luta dos negros,
apenas o quanto a princesa era bondosa em libertar os escravos que não sabiam
ler e nem falar a língua portuguesa. Meus colegas acabavam rindo e fazendo
piadas racistas e eu sentia um misto de vergonha e raiva, porque eu tinha uma
tia-bisavó que havia sido escrava e que carregava as marcas da escravidão em
suas costas, e porque meus pais sempre falavam da importância do trabalho dos
negros para a sociedade. O tempo passou, eu cresci, formei-me professora e
passei a lutar por uma educação mais igual para os meus alunos, porque eu não
queria que eles passassem pelas mesmas coisas que eu havia passado, porque eu
queria que a história perdida de minha tia-bisavó não fosse motivo de vergonha,
mas de orgulho.
Hoje observando a mudança de paradigmas que temos em nossa educação sinto-me realizada,
pois vejo no calendário o 21 de março (Dia Internacional de Combate à
Discriminação Racial) sendo celebrado nas escolas, nos órgãos do governo e em
diversas partes do Brasil. Percebo que nosso povo começa a sentir orgulho de
sua cor negra na pele, de seus cabelos encaracolados, de sua cultura e
tradição, de seus antepassados que foram escravizados - tendo na figura de
Zumbi dos Palmares um herói. Os jovens negros antes alijados do processo de
ensino (eu era a única menina negra de minha turma de 30 crianças) agora estão
mais presentes nas salas de aula e podem sonhar com uma carreira que lhes
garanta um posto de trabalho que não seja necessariamente o de trabalhador
braçal.
Ainda
há muito caminho pela frente, ainda enfrentamos um racismo cruel em diversos
espaços, ainda nos é negado o acesso a direitos básicos garantidos legalmente,
mas já avançamos. Hoje, posso comemorar porque os meus alunos ouvem uma
história diferente sobre a escravidão; posso festejar porque os negros não são
mais apenas aqueles do meu núcleo familiar – estão visíveis na televisão, nos
jornais, em espaços de reconhecimento. Os brasileiros se autodeclaram em alto e
bom tom como negros, afrodescendentes, afro-brasileiros... descendentes de um
povo forte e lutador.
Assim,
que este 21 de março, que me fez dançar e chorar cantando “Maria, Maria”, seja
mais um marco na história de nosso país, principalmente de nossa educação, a
fim de que não repitamos erros que macularam negros e brancos e nos destituíram
por muito tempo do direito de andarmos juntos como irmãos.