Em 2001 a ONU publicou um relatório sobre a saúde mental no qual aponta
que um dos motivos que faz com que as mulheres tomem mais medicamentos para
tratar transtornos psicológicos e psiquiátricos é a violência. Segundo o
documento, a “violência contra a mulher constitui um significativo problema
social e de saúde pública que afeta mulheres de todas as idades, todos os
antecedentes culturais e todos os níveis de renda” (ONU, p. 14). A violência
contra a mulher se caracteriza pela violação de seus direitos, o que se dá de forma física, sexual ou mental.
A Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha,
define que uma das formas de violência
contra a mulher é “a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que
lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e
perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações,
comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento,
humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição
contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do
direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica
e à autodeterminação” (Lei nº 11.340/07, Art. 7, II). O que vimos no editorial
de dois grandes veículos de comunicação neste final de semana foi a expressão
da violência cotidiana contra a mulher. Violência desferida contra a mulher que
ocupa o maior cargo político deste país: a Presidenta Dilma Rousseff.
No dia 01 de abril, a Revista Isto é publicou na manchete de capa uma
reportagem chamada “Uma presidente fora de si”. Somente o título do texto já é
ofensivo e remete a um histórico machista de denominar as mulheres como loucas
e histéricas. No texto, o semanário diz que Dilma sofre de transtornos psicológicos e afirma que
ela toma medicamentos fortes para que se acalme. A Presidenta Dilma não é a primeira mulher a
ser taxada de louca ou histérica. Todas nós, mulheres, em maior ou menor grau, já fomos vistas uma ou outra vez assim, pois este estereótipo de mulher louca,
histérica ou desequilibrada mental é usado em nossa cultura machista para nos
deslegitimar. Quando uma de nós grita e fala mal no trânsito é vista como uma louca mal amada ou uma
histérica de TPM, quando um homem faz isso é um cara com personalidade. Assim,
ao homem são atribuídos os valores considerados positivos pela sociedade e às
mulheres aqueles considerados negativos – reforça-se o binarismo: homem
racional/mulher emocional, homem seguro/mulher insegura; homem ativo/mulher
passiva.
O jornal A folha de São Paulo seguiu a mesma linha e neste sábado lançou
um editorial que sugere que a Presidenta deve renunciar para poupar o Brasil do
trauma de um impeachment, pois ela não tem mais condições de governar. O
interessante é que o jornal não aponta os motivos que a impedem de governar o
Brasil, apenas limita-se aos erros do seu partido e a falta de apoio do Congresso
Nacional. Isto não é motivo para dizer que ela não tem condições de governar,
pois qualquer pessoa no lugar dela não teria. Assim, o editorial pessoaliza a
crise política do país e coloca na pessoa da presidenta o problema dizendo que
ela “perdeu as condições de governar o país”. Ela não perdeu as condições, mas
está sendo impedida por um congresso mesquinho e por uma mídia que explora os
fatos envolvendo a corrupção de um único partido – deixando de dar visibilidade
aos demais envolvidos nos crimes de corrupção. Dilma reúne as qualidades
necessárias para governar, fato evidenciado pelos mais de 54 milhões de
brasileiros que depositaram seu voto nela na última eleição – que a reelegeu
para o mais alto posto político do Brasil.
Os dois textos citados colocam uma das mulheres mais importantes do
mundo em uma situação constrangedora e se caracterizam como
violência contra a mulher. Dilma deveria fazer uma ligação ao serviço
disponibilizado no número 180 e denunciar os abusadores, mas seu cargo não
permite que a situação se resolva desta forma. Assim, é de extrema importância
que através dos meios legais disponíveis para a Presidência da República que a
mulher, legitimamente eleita para este
cargo, tome as providências contra aqueles que a estão violentando. Dilma já
foi violentada física e sexualmente durante a ditadura, já foi vaiada e ouviu
impropérios em um estádio de futebol, já teve sua morte desejada inúmeras vezes
e agora é taxada de louca e incapaz. Não é a primeira mulher a passar por situações vexatórias,
mas foi a primeira mulher brasileira a ser presidenta e a primeira a desfilar ao lado de
outra mulher, deixando os homens de fora do carro oficial no dia da posse. Dilma não é louca ou
incapaz, ela é uma mulher que com coração valente desafia intensamente o
machismo que impera em nossa sociedade. Machismo que ao tentar fazê-la passar
por louca e incapaz não somente quer lhe tirar o poder, mas também deseja
macular a imagem da primeira mulher a presidir este país. Da mesma forma que
muitas mulheres são vítimas de relações abusivas no dia-a-dia, a Presidenta
Dilma também está sendo – assim, nós, mulheres, devemos nos irmanar a ela, pois
se nem a maior autoridade do país está sendo poupada pelo sistema patriarcal e
machista, nós também não seremos preservadas se isso ficar impune.