Foto da Comunidade Meu Professor Abusador |
Há
dias em que as pancadas da vida são
terríveis. Hoje foi um deles. Iniciei meu dia com uma amiga me chamando a
atenção para um vídeo em que uma doutora formada por uma renomada universidade
pública brasileira retoma um triste episódio
de assédio sexual, o qual foi seguido de assédio moral, ambos ocorridos com ela na mesma instituição.
Há algum tempo acompanho o caso desta pesquisadora e muito me entristeço com a forma
como isso é tratado no meio acadêmico: ou se omitem ou escondem estas
situações. Devido ao compartilhamento do vídeo, acabei conversando com um
amigo, também acadêmico de uma renomada instituição, e ele não sabia do
ocorrido com a pesquisadora de São Paulo. Este amigo é uma pessoa com
militância política, logo deveria saber do episódio, mas ele desconhecia –
comprovando assim o silêncio da academia quando o assédio é com mulheres.
E
minha manhã não poderia acabar pior, pois passeando nas páginas do Facebook,
encontrei uma comunidade chamada Meu Professor Abusador. Esta página tem pouco
tempo, parece que menos de um mês. Ela foi criada por meninas de Porto Alegre
(minha cidade natal) e talvez por isso o maior número de relatos seja do Rio
Grande do Sul. O objetivo da página é denunciar, anonimamente, casos de assédio
sofridos por mulheres. Creio que li mais de 50 pequenos relatos e me entristeci
a ponto de chorar. Identifiquei escolas por onde já passei ou onde lecionam
amigos, ou pior ainda, locais em que estudam filhas de pessoas que me são
queridas. O mais triste de tudo foi identificar professores, colegas de
profissão, que são os assediadores. Alguns dos identificados já carregam esta
fama e não se faz nada, porque não tem como se fazer qualquer coisa; no
entanto, outros carregam a fama de bons moços ou de homens de respeito, advindo
daí o espanto, nojo, medo e vergonha de compartilhar a profissão com eles.
Na
referida página há denúncias de meninas que adentram a puberdade, aquelas que
temos vontade de abraçar e dizer que o mundo não é assim. Há histórias de meninas
mais velhas, beirando os 18 anos, e para estas a gente sente vontade de dizer
para entrar na luta, pois logo tudo irá acabar. Só que percebemos que isso
seria mentira, porque há relatos de mulheres com mais de 20, 30, 40 anos que
sofreram as mesmas coisas na adolescência, enquanto estavam na escola; na
juventude, enquanto estavam na graduação; na vida adulta, quando estavam na
pós-graduação ou em cursos de formação para adultos – o que demonstra que a
luta vem de tempos e que talvez ainda se estenda por mais tempo ainda.
Dizer
que o mundo é cor de rosa seria mentira, dizer que já vai passar também é,
contudo, dizer que não podemos nos calar é a única solução. Hoje é preciso
dizer que não podemos aceitar o assédio porque somos mulheres. Não podemos
aceitar o assédio porque somos mulheres negras. Não podemos aceitar o assédio
porque somos mulheres trans. Enfim, não podemos aceitar o assédio porque somos
nós, seja esse nós quem ou como for. Os homens não podem continuar assediando e
achando que isto está certo, pois a falta de punição passa essa ideia. As
escolas, as universidades, os espaços de ensino não podem continuar permitindo
e perpetuando uma cultura que subalterniza o sujeito feminino. A voz das
mulheres precisa ser ouvida e aquilo que ocorre conosco não pode ser tratado
como algo sem importância ou como má interpretação da situação.
É
chegado o momento de agir no âmbito legal e de agir nos domínios do discurso.
Não temos muitas armas, pois é nossa palavra contra a deles, em qualquer lugar.
No entanto, precisamos fazer alguma coisa: conseguir testemunhas, guardar
provas (conversas, mensagens, enfim), denunciar (mesmo sabendo que podem não
nos ouvir), modificar a forma de educar/tratar os homens (seja o filho, o
irmão, o amigo – não é bonito assediar ninguém, tampouco é demonstração de virilidade).
Mas, principalmente, não devemos nos sentir culpadas e guardar isso conosco,
pois a culpa e o medo nos imobilizam e permitem que esses absurdos se perpetuem
nos locais que deveriam nos proteger e libertar.
Excelente Rosilene!! São iniciativas de intelectuais negras, como você, que farão mudar casos tão lastimáveis de abuso contra as mulheres. É assim que se começa uma história de mudança.
ResponderExcluirQue bom que vc gostou, Bete!
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