domingo, 13 de março de 2016

Resquícios da escravidão na foto emblemática do dia 13 de março de 2016


Viralizou no dia de hoje uma foto que apresenta uma família branca formada por pai, mãe, dois filhos e um cachorrinho - seguida pela babá negra. A família veste roupa verde e amarela em protesto contra o governo do país e a babá usa o seu uniforme de trabalho. A família fotografada é do diretor financeiro do Clube Flamengo, Claudio Pracownik, e a mulher que trabalha no domingo ainda não foi identificada. O homem se ressentiu muito com a exposição de sua família e desabafou usando as redes sociais. Ele diz em seu desabafo que a mulher trabalha apenas nos finais de semana e é uma pessoa que eles gostam muito, embora não a considerem da família. Ele ainda frisa que tem um número grande de funcionários em sua empresa (segundo O globo ele é sócio e Diretor Executivo do Brasil Plural Banco Múltiplo S.A) e mais 04 funcionários em sua casa. Assim, a foto seria uma afronta ao direito de privacidade da família dele.

Claramente estamos diante da exposição de uma família branca e da elite, caso contrário, não estariam ocupando espaço em um dos maiores jornais do país. Além disso, a foto mexe numa ferida que teima em não cicatrizar no Brasil: os resquícios da escravidão negra. Muitas pessoas estão argumentando que a profissão de babá é regulamentada e que a mulher está apenas trabalhando como os jornalistas que cobriam a manifestação. Outros dizem que é uma mulher guerreira que não aceita Bolsa Família. Há ainda quem diga que se a família não a empregasse por ser negra seria racismo, daí que não faz sentido a acusação de racismos como  o fato de a terem empregado.

O que as pessoas não conseguem entender é que a foto não é de um passeio qualquer, embora pareça que a família Pracownik não considere isto, pois leva até o cachorrinho para protestar. A foto representa um momento de ação política e a mulher que acompanha a família branca tinha apenas duas opções neste dia: acompanhar a família ou deixar o emprego – fato comprovado na fala do patrão que diz que se ela não estiver satisfeita que abandone o emprego. Isto evidencia que as mulheres negras continuam sendo tratadas como sujeitos de segunda classe. A babá não pode escolher se queria protestar ou não contra Dilma. Se ela é favorável ao atual governo, o seu direito foi ferido, pois foi obrigada a participar e ser colocada nas estatísticas de participantes de um ato que não concorda (preto para fazer número sempre serve). Se for contrária ao governo, ela teve o seu direito de manifestar-se através de suas roupas roubado por um uniforme que a coloca na posição subalterna e marca o seu lugar social de serviçal da família branca caracterizada para o protesto.

Até hoje conheci apenas uma pessoa que me disse que queria ser empregada doméstica: uma mulher branca muito curiosa. Ela me contou rindo que este desejo era porque ela queria saber o que tinha na casa das pessoas e as empregadas poderiam ver isto. Lógico que quando ela cresceu isto não se tornou realidade e hoje ela é uma mulher que trabalha em outra área. No entanto, nunca vi uma mulher negra desejar ser empregada doméstica, de forma que esta cena apresentada na semana que defenderei minha tese de doutorado me faz lembrar da minha mãe dizendo que eu devia estudar “para não ter que limpar chão de branco”, ou seja, ser empregada doméstica como a maior parte das mulheres de minha família. As mulheres negras não escolhem a profissão de empregada doméstica, elas assumem esta função porque precisam sobreviver dignamente. Muitos dirão que nos dias de hoje muitas babás possuem curso superior, pois são enfermeiras, pedagogas e etc. Nenhuma jovem negra faz curso de pedagogia ou enfermagem para se submeter à função de cuidadora de criança. Novamente estamos diante de uma função que precisa ser assumida para se viver com dignidade, pois muitas vezes estas mulheres são rechaçadas do mercado de trabalho pela cor de sua pele.

Por fim, a fala do próprio Claudio Pracownik expõe o resquício de escravidão  quando se fala de serviço doméstico: “emprego centenas de pessoas no meu trabalho e na minha casa mais 04 funcionários. Todos recebem em dia. Todos têm carteira assinada e para todos eu pago seus direitos sociais. Não faço mais do que a minha obrigação! Se todos fizessem o mesmo, nosso país poderia estar em uma situação diferente”. Ele se orgulha de ter empregados, centenas em sua empresa e mais 04 em casa – o mesmo orgulho que os senhores de escravo sentiam ao contar suas “peças” que contribuíam para a economia do café, do açúcar, enfim para o crescimento do Brasil.

A manifestação de hoje comprova que a Casa Grande não se conforma com os direitos adquiridos pelas minorias, principalmente pelas mulheres negras que hoje já podem vislumbrar outras oportunidades de vida além de serem empregadas domésticas. Apesar de não protestarem contra os avanços legais que temos em nosso regime trabalhista, ao demonstrar orgulho por pagar em dia os salários e direitos sociais, a fala do diretor financeiro do Flamengo, comprova que a  Casa Grande não se conforma com os avanços do Brasil dos últimos anos. O inconformismo é porque é muita ousadia alguém questionar o fato da empregada negra carregar os filhos do branco em um domingo de sol numa manifestação política. Também é muita ousadia negras estarem nas universidades como estudantes e não como serviçais. Mais ousadia ainda é pobre ter o que comer e até acesso a internet, que permitirá aos negros e às negras pensarem e refletirem sobre a situação vivenciada por esta mulher negra que foi exposta pela manutenção do pensamento escravagista na sociedade brasileira. 

15 comentários:

  1. "Ele se orgulha de ter empregados, centenas em sua empresa e mais 04 em casa – o mesmo orgulho que os senhores de escravo sentiam"
    Entao todo empresario, dono de empresa que gera emprego, eh um escravocata?
    Nao faz sentido.

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  2. Ele só fez uma analogia com os senhores de escravo, uma empresa é totalmente diferente de um emprego doméstico.

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  3. É um pensamento escravocrata sim,visto que isso é herança da escravidão "Enquanto a gente não mudar essa mentalidade escravocrata e perceber que as trabalhadoras domésticas precisam ter direito à dignidade, não dá pra ter debate. Enquanto não se desassociar essa ligação entre escravidão e trabalho doméstico, mulheres, na sua maioria negras, serão submetidas a atrocidades sob o olhar naturalizado das pessoas. "Ah ao menos ela trabalha", não é mesmo?"

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  4. Não entendo algumas coisas, ela estava a trabalho, acredito que deve ter acompanhado o casal a diversos outros passeios (a trabalho). Me digam, se fosse uma babá loirinha de uniforme teriam a mesma visão? Sou negra, sei o que é preconceito, sinto, mas há situações em que se explora isso tão vulgarmente que me da nojo. Olhabo argumento de que o direito dela foi violado, calma, se um vendedor de loja, uma enfermeira, um atendente de tele marketing, um farmacêutico que também tivessem que trabalhar no domingo, quisessem exercer o direito de participar da manifestação, a empresa pagadora estava ferindo esse direito por não permitir ou de descontar o dia caso alguns deles o fossem? Parem com isso! Va lutar para que essa babá veja na função um degrau pra algo mais, que todo negro seja respeitado, que todos sejam respeitados e que todos tenham oportunidade. O q falta são pessoas comprometidas em orientar e mostrar que se pode ir além e não pessoas para exporem pessoas que estão trabalhando honestamente. Se perguntaram como essa profissional se sente com essa exposição de sua posição? A mídia que "explorou" o conceito "submissão", pessoa de "segunda categoria".

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  5. se a babá fosse branca e os empregadores negros, o que a mídia iria dizer? alguém perguntou pra essa mulher se ela foi obrigada a ir na passeata? ou se ela gostaria de se expor na mídia? ou quem criticou pode arrumar um emprego melhor pra ela?

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    1. A fala do patrão dela dá entender que se ela não quisesse ir que procurasse outro emprego. A questão não é poder arrumar outro emprego para esta pessoa, mas repensar os lugares de trabalho destinados a nós, mulheres negras. Obrigada por sua opinião!

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    2. Sou doméstica, não me orgulho disso.tbm trabalho para pessoas importantes.Se a mídia soubesse como são dentro de suas casas ficariam chocados.Poderia escrever muitos relatos sobre o que se passa.Voltei a estudar.Em breve Adeus a profissão DOMESTICA.

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    3. Tiveram seculos para se igualar, para estudar, para enfim, estarem lado a lado com todas as etnias, mas parece que a vitimização foi sua escolha ..Imaginem se os hebreus, fossem ficar de mi mi mi até hj ?Tambem foram escravizados por seculos, e mais tarde, morreram aos milhoes em campos nazistas, vitimas de uma Raça pura, branca e cheia de odio por eles .. No entanto ..Onde estão agora ??Este discurso a mim, nada afeta .

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    4. Que pena que este discurso não te afeta, pois sua opinião demonstra claramente que você é racista, pois acredita na superioridade de uma raça. Vc necessita rever seus conceitos!

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  6. Parabéns Deise Silva, resposta certíssima,

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  7. Oi Resilene, achei muito pertinente isso que uma amiga minha colocou, ao me ver compartilhar seu post, o que vc acha? "mas, nesse caso, acho absolutamente desnecessária e irresponsável a exposição da babá nas fotos veiculadas. na ânsia de denunciar como as estruturas de racismo de perpetuam e as incoerências de um discurso conservador que tá tirando uma ondinha de revolts, a gente acaba por expor quem está mais vulnerável na situação : a babá. Que tem um nome, que possui agência,um trabalho,uma história e que ,apesar disso, talvez sob o véu da invisibilidade da farda branca que carrega, jamais foi consultada sobre a exposição de sua imagem. coisas de internet, vá saber. mas grave, gravíssimo." Não seria melhor que a imagem da profissional fosse preservada?

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    1. Juliana, concordo com vc. Mudei a foto da postagem. Obrigada por chamar minha atenção!!!!

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  8. se eu criar uma pagina entitulada ORGULHO BRANCO ou PEROLE BRANCA ou algo do tipo, serei esculachado... pq voces negros são tao preconceituosos com os brancos nesse sentido....
    nao é assim que se faz....

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  9. http://extra.globo.com/noticias/rio/o-pobre-que-sofre-diz-angelica-baba-de-foto-polemica-em-manifestacao-rv1-1-18876978.html

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    1. Entrevista manipulada pelos patrões. Se ela falasse que vota no Lula e que é contra o que os granfinos foram fazer seria demitida.

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