quinta-feira, 16 de abril de 2015

A cabeleira da estagiária


Tem quase duas semanas que a estagiária de cabeleira alta tem sido assunto na mídia, e há exatas duas semanas que eu me seguro para não escrever este texto. Quando li a história da menina de dezenove anos, muito me identifiquei com ela, pois passei por situação semelhante. Quando eu tinha dezesseis anos de idade sai em busca do meu primeiro emprego. Logo de início fui chamada para um estágio em uma creche - uma “escolinha” na época. Quando eu falei com a proprietária por telefone, ela ficou impressionada, pois eu já tinha alguns cursos nesta idade e tinha excelentes notas na escola. Pediu que eu fosse pronta para assinar o contrato e ficar trabalhando.


Cheguei muito feliz na escola, usando uma roupa mais social, sapato e com o cabelo bem penteado, levando uma roupa confortável para trabalhar. Ao chegar no portão da escolinha, toquei a campainha e fui atendida pela senhora que me disse: “O que tu quer?” Me surpreendi com a grosseria, mas me apresentei. Ela com uma expressão de admiração, frustração e sei lá mais o que, me olhou e disse: “Então é tu?” Achei estranho, mas respondi. Ela veio até o portão, me olhou de cima a baixo, de baixo a acima, pediu meu contrato e disse que me ligaria no outro dia. No primeiro momento não entendi nada, mas enquanto retornava para casa pensava na situação e não queria acreditar que tinha sido desprezada por ser negra. Quando cheguei, contei aos meus pais o que ocorrera. Eles imediatamente me estimularam a continuar procurando um estágio e tiveram uma conversa sobre os obstáculos que encontraria por ser negra. Dois dias depois, uma colega da mesma sala que eu (com notas inferiores, sem nenhum curso de formação, ou seja, menos preparada) conseguia a vaga de estágio na escolinha. O que nos diferenciava, além dos dados da formação, é que ela tinha um cabelo muito comprido e liso, a pele branca e os olhos verdes.

Isso fez com que eu me sensibilizasse com a história da Ester, pois ainda hoje, sinto na pele o preconceito racial do Brasil. Passei por esta situação no início da minha carreira e por muitas outras ao longo dos dezessete anos que tenho de atuação na educação. Nos dias de hoje, me vejo muitas vezes obrigada a escovar o cabelo, pois dependendo do espaço de fala, uma mulher será pouco ouvida. Se ela for negra, será quase nada ouvida. Se ela for negra de cabeleira crespa e solta, o pouco que ouvirão dela, será desprestigiado. Aos poucos, costumo quebrar os paradigmas do sistema, e hoje, apoio a coragem de Ester que denunciou isto. E pergunto àqueles que dizem que é normal, que é preciso agradar a clientela da escola, se é assim que iremos formar crianças preparadas para conviver com a diferença e respeitando o outro.

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