quinta-feira, 16 de abril de 2015

“O negro não é. Nem tampouco o branco”



O texto publicado pela escritora Cintia Moscovich no jornal Zero Hora do dia 13/04 não me chocou nenhum pouco, pois não é a primeira assertiva preconceituosa que ouço desta escritora. Também não acho que tenha querido provocar polêmica e ter seu nome citado, pois ela não precisa por já ter um público que a segue, admira e compra seus livros. A coluna da escritora demonstrou o que ela pensa: “estou onde estou porque trabalhei por isso... quem não está é porque não trabalhou ou trabalhou pouco”. O mesmo pensa o garoto que gravou um vídeo em uma sala de aula da USP ao dizer ao grupo de jovens negros que eles devem estudar e passar na universidade. Diante disso me veio Fanon quando diz: “O negro não é. Nem tampouco o branco”. Em um país colonizado como o Brasil temos “o preto escravizado por sua inferioridade e o branco escravizado por sua superioridade, ambos se comportam de acordo com uma orientação neurótica” (FANON). E o comportamento beirando a neurose é o que se vê no vídeo gravado, no texto da escritora e nos comentários de expectadores e leitores.



Temos hoje uma sociedade de trabalhadores: de um lado os descendentes dos negros escravizados, que agora gritam e não aceitam o lugar que lhe foi dado; de outro lado temos os descendentes de brancos imigrantes e exilados, enviados para uma terra de "ninguém", que agora gritam para não perderem o que sempre aqui foi deles. Nesta terra todos trabalharam muito, no entanto, os negros quando deixaram a condição de escravizados não receberam o mesmo que os brancos enviados (degredados, exilados, etc) haviam recebido: terras, mão de obra, e outras benesses. Assim, para os brancos o sucesso veio e com ele veio também o orgulho de ter saído de uma condição de vexame para uma posição de honra (econômica e cultural). No entanto, para os negros o sucesso não veio e a posição de humilhação da escravidão foi trocada por posições muito semelhantes à da senzala, seja econômica ou culturalmente falando.

As histórias se parecem, por isso o negro não é, nem tampouco o branco é possuidor de mais ou menos direitos. E se isso é verdade e está expresso na Constituição de nosso país, são necessárias medidas que reparem as desigualdades. As cotas raciais fazem parte destas medidas e elas significam compartilhar espaços com aqueles que parecem não ter trabalhado na mesma medida do papai que trabalhou muito para pagar a escola particular do filho que estuda na USP. Também é admitir que a mocinha da periferia, que antes seria a faxineira da casa, agora poderá ter a bolsa de estudos que deveria ser para quem o papai pagou a escola (com muito trabalho). Significam também que a história de muito trabalho da família passe a ser apenas mais uma história no meio de tantas outras. A pós-modernidade nos mostra que não temos mais uma única narrativa, mas várias micronarrativas, sendo apenas mais uma a da família que trabalhou muito e logrou sucesso. Perder este espaço de privilégio na história é doloroso, assim como é doloroso ter sua vida marcada pela narrativa da vadiagem imposta aos negros, que agora querem apresentar a sua versão da história: trabalharam, mas não tiveram sucesso. Versão que apresentada obriga a sociedade a devolver-lhes os direitos surrupiados.

A histeria se forma, pois dentre os jovens negros encontramos pessoas que não conseguem conter as emoções ao discutir um fato e temos o jovem branco que usa dos artifícios do lugar de privilégio (discurso performático e tecnologia), para afrontar e deslegitimar os negros. Ainda temos o jovem negro, cuja família logrou sucesso, mas ele apoia a causa dos seus pares e temos a escritora empática ao posicionamento do jovem branco que queria ter sua aula de microeconomia. Há ainda a figura da professora que, infelizmente, não conseguiu entrar no debate, mantendo-se numa posição de “eu tenho este conteúdo para dar e é só isso”. Ou seja, ela perdeu uma chance grande de ensinar a todos aqueles jovens questões de economia e história do Brasil, de falar dos índices econômicos e sociais e de cumprir com a função da universidade: produzir conhecimento.

O episódio é lamentável, por não termos mudança de postura naquele momento, pelo contrário, apenas acirramento de ódio e acusações que mostram uma faceta cruel da nossa sociedade. Mas essas tensões acabam sendo positivas, porque obrigam as pessoas a saírem de sua zona de conforto e se posicionarem, como fez o jovem negro de classe média e a escritora gaúcha medíocre.

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